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Dezembro 2019

Texto Ana Rita Costa, Distribuição Hoje

Reciclagem: Uma solução "verde" ou o perpetuar da descartabilidade?

Com metas de reciclagem ambiciosas, Portugal tem pela frente o desafio de encontrar soluções mais eficazes para a redução e tratamento dos resíduos gerados. A distribuição moderna, a produção, a indústria de embalagens e os ambientalistas têm procurado respostas para quebrar o ciclo de desperdício e aumentar a reciclabilidade dos produtos colocados no mercado, mas dizem que ainda há muito a fazer.


O tema da Sustentabilidade ganhou lugar cativo na agenda de todos os decisores. Ao longo do último ano, temos noticiado na DISTRIBUIÇÃO HOJE inúmeras iniciativas de empresas que estão a investir para atenuar os sintomas da crise climática que vivemos. Agora, quisemos saber se a reciclagem é mesmo uma panaceia, se os portugueses estão a reciclar mais e o que estão a fazer as marcas e os distribuidores para impulsionar hábitos de consumo menos poluidores.
O Governo prepara-se para avançar com um projeto-piloto que vai incentivar os consumidores a devolverem aos supermercados as garrafas de plástico usadas, premiando-os com talões de desconto, entre dois a cinco cêntimos por garrafa, para impulsionar a reciclagem. Os municípios portugueses terão de passar a recolher seletivamente os resíduos orgânicos, como restos de comida, até agora colocados no lixo indiferenciado, para que sejam transformados em fertilizantes para a agricultura. Já a União Europeia quer banir a utilização de plásticos descartáveis em todos os Estados-membros em 2021, com um benefício ambiental estimado numa redução das emissões de CO2 de 3,4 milhões de toneladas, e exige que todos os resíduos de embalagens de plástico sejam recicláveis até 2030. O aumento das taxas de reciclagem é apontado por muitos como uma das soluções para combater a poluição ambiental. Mas, de acordo com dados do Eurostat, em 2017, a taxa de reciclagem dos resíduos municipais na UE não passava dos 46,4%, uma percentagem que cai para os 28,4% se olharmos para Portugal. Afinal, o que está a ser feito?
Os dados divulgados pela Sociedade Ponto Verde (SPV) relativamente ao primeiro semestre deste ano mostram uma evolução.
Nos primeiros seis meses de 2019 houve um aumento de 11% na reciclagem de embalagens de recolha seletiva em Portugal, com 175 mil toneladas de resíduos encaminhados para reciclagem.
Já a associação Novo Verde – Entidade Gestora de Resíduos de Embalagens diz que, em 2018, foi responsável pela valorização ou reciclagem de 28 591 toneladas de resíduos de embalagens, a grande maioria das quais de vidro. A associação, que no início deste ano começou a publicar um barómetro semestral que analisa os hábitos de reciclagem dos portugueses, diz que os dados recolhidos em maio deste ano indicam que “os portugueses, que têm uma consciência cada vez mais eco-friendly, admitem que os incentivos ou taras recuperáveis na entrega de resíduos poderiam ajudar a aumentar o seu nível de reciclagem, assim como a existência de um maior número de pontos de recolha disponíveis”.
Ana Isabel Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde, acredita que “a evolução do processo de reciclagem dos resíduos em Portugal tem sido bastante positiva”, com mais de 71% dos lares nacionais a separarem embalagens. Ainda assim, defende que “há um longo caminho a ser percorrido, sobretudo porque estamos perante um cenário em que a sociedade de consumo é altamente mutável e coloca constantes desafios à reciclabilidade”.
A CEO da SPV acrescenta que ainda persistem dúvidas em relação “à correta colocação de embalagens para reciclagem, devido a alguns mitos quanto às regras de separação que ainda subsistem. Por exemplo, as embalagens com gordura podem efetivamente ser colocadas no ecoponto sem que seja necessária uma lavagem prévia (…). Uma separação mais afinada poderia, de facto, contribuir para que tivéssemos processos de reciclagem e valorização de materiais mais eficazes e, por isso, consideramos que ainda é necessário trabalhar no sentido de esclarecer os cidadãos sobre as práticas mais corretas”.
No caso dos resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos (REEE), o caminho poderá ser ainda mais longo. Rosa Monforte, diretora-geral da ERP Portugal, acredita que “o aumento gradual das quantidades de REEE recolhidos, ano após ano, mostra que a consciencialização dos portugueses tem vindo a aumentar”. Contudo, ainda há muito a fazer, “dado que continuamos a assistir ao seu abandono e deposição indiscriminada”. A diretora-geral da ERP Portugal lembra que o abandono dos REEE “pode ter um impacto muito negativo na nossa saúde e no ambiente, considerando as substâncias nocivas que, por vezes, os compõem”, e diz que a crescente atenção dada ao tema da sustentabilidade “deverá ser encarada como uma oportunidade para melhorar e alterar processos e comportamentos”. “No caso dos equipamentos elétricos e eletrónicos, podemos encontrar exemplos em que as práticas mais ‘amigas do ambiente’ são utilizadas como argumento de venda valorizado pelo consumidor. E na fase de produção dos artigos é possível detetar ganhos significativos no design e conceção, distribuição e disponibilização do consumidor”, conclui.

O PRINCÍPIO DO ECODESIGN

Uma das soluções para a anunciada proibição de utilização de plásticos descartáveis na UE, diz Ana Isabel Trigo Morais, “passa por apoiar as empresas a atuar na raiz desta questão e ajudá-las a adotar a utilização de materiais de embalagem que facilitem a sua reciclagem”. Em linha com este objetivo, a SPV criou recentemente o “Ponto Verde LAB”, um projeto para os operadores que tenham responsabilidade pela colocação de embalagens no mercado. A CEO da SPV explica que esta é “uma ferramenta efetiva para a divulgação de informação e conhecimento que permita apoiar estes agentes no desenvolvimento de embalagens mais sustentáveis através da aplicação de princípios de ecodesign”.
“As medidas que têm vindo a ser apresentadas, seja em Portugal ou no contexto europeu, vêm colocar novos desafios, mas em simultâneo oportunidades no âmbito do modelo de economia circular”, acrescenta, referindo que as melhores práticas de ecodesign implicam também “processos mais complexos e tecnológicos, que passam pela avaliação detalhada quanto à escolha de materiais e processos produtivos, a conjugação de componentes, a forma e o volume da embalagem e o tipo de produto que é embalado”.
Ricardo Neto, presidente da Novo Verde, diz que, apesar de todas as medidas em curso ou programadas tanto pela União Europeia como pelo Estado Português, nas quais se contam um sistema de incentivo à devolução de embalagens de bebidas em plástico não reutilizáveis ou o reforço de áreas como o ecodesign, a investigação, a sensibilização e comunicação, “o mais importante é ter em mente que o Plástico pode ser um dos materiais mais sustentáveis e circulares, se for bem utilizado e encaminhado para reciclagem no seu fim do ciclo de vida”.

A “GUERRA” AO PLÁSTICO

Ana Isabel Trigo Morais reforça esta mensagem, afirmando que “os diferentes materiais de embalagens disponíveis no mercado cumprem, cada um, funções muito específicas em termos de acondicionamento e segurança. O processo de substituição de um material por outro não pode ser, por isso, simples e linear.
É importante que sejam desenvolvidas análises pormenorizadas que permitam perceber o desempenho de cada material, quer em termos do impacto ambiental, quer no que diz respeito à segurança e conservação do produto. Tanto o papel como o plástico são altamente recicláveis: há que escolher o material para a embalagem que melhor se adapte ao produto e à sua pegada ambiental”.
Carmen Lima, coordenadora do Centro de Informação de Resíduos da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, lembra que, atualmente, “não temos informações sobre o ciclo de vida dos diferentes materiais e produtos”, mas sabemos que “se não se entregarem os detritos para reciclagem, caso sejam em plástico, eles vão durar centenas de anos a degradarem-se. Se for em papel, o processo de degradação é mais rápido e menos impactante, quando estamos a falar de lixo”.
Questionada sobre a solução dos plásticos biodegradáveis, a especialista da Quercus diz que estes podem, efetivamente, ser uma solução no futuro, “quando forem ou bioplásticos recicláveis ou biodegradáveis que cumpram os tempos de degradação numa estação anaeróbica, para onde são encaminhados os resíduos biodegradáveis. Até ao momento, segundo a informação de que dispomos, os biodegradáveis existentes no mercado nacional não se degradam no tempo de tratamento de uma destas estações.
De qualquer forma, se forem parar a um aterro, o comportamento face a um plástico convencional é de uma degradação mais rápida”.
A “guerra” ao plástico, diz, “é importante para os plásticos de uso único” e “conta com o apoio dos europeus, na medida em que 3 em cada 4 europeus concordam com a mesma e mostram preocupação com o impacto dos plásticos na saúde, segundo uma pesquisa do Eurobarómetro em 2017 (…). Esta mudança não será difícil, mas será urgente, pelo que esperamos que seja efetivamente aplicada e que o uso de itens de plástico de uso único seja mesmo proibido, ao contrário da ‘medida-fantasma’ adotada pelo Governo português para a proibição do uso de garrafas, sacos e louça de plástico na Administração Pública, apesar de eles continuarem à vista de todos em locais e eventos promovidos por estes organismos.”

O ADVENTO DO “MARKETING VERDE”

Com a crescente implementação de medidas de combate à utilização de plásticos e de promoção de reciclagem, há também quem defenda que o Ambiente se transformou no novo grande aliado do Marketing [ver entrevista com Ana Salcedo, fundadora do Zero Waste Lab, nas páginas seguintes], com as marcas a beneficiarem da consciencialização do consumidor para a importância das boas práticas ambientais para vender produtos que envergam nos seus rótulos claims como “sustentável”.
Carmen Lima explica que “marcas como a Coca-Cola, Nestlé e PepsiCo foram recentemente listadas como responsáveis pela maior poluição de plástico do mundo, de acordo com uma análise global de 239 limpezas e auditorias de marca em 42 países de seis continentes, pelo que o envolvimento e responsabilização nas campanhas de limpeza poderão surtir algum efeito num futuro próximo.
O ambiente e a evolução das temáticas ambientais terão sempre ‘oportunistas’ a aproveitarem-se da ‘onda verde’. Informação e sensibilização vai ajudar as pessoas a escolherem melhor”.
Do outro lado da barricada, a direção da Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos (APIP) defende que medidas como a proibição de utilização de plásticos descartáveis em todos os Estados-membros até 2021 “não têm sentido enquanto não for provado que as alternativas ao plástico têm uma pegada ecológica inferior. Através da realização da Análise aos Ciclos de Vida dos diversos materiais, é sabido que as alternativas comuns de substituição do plástico apresentam maior pegada ecológica e maior impacto nocivo para o ambiente”.
“Os conhecidos estudos da Agência de Proteção Ambiental da Dinamarca e do Governo do Quebeque, no Canadá, apresentam factos relativos à reduzida pegada de carbono do saco de plástico face às suas alternativas de outros materiais. O saco de plástico monomaterial e 100% reciclável é a opção mais sustentável”, acrescenta a APIP.
“A diabolização e proibição do material plástico em determinadas aplicações, sem estudos que a suportem, gera uma distorção do mercado e coloca em causa a sustentabilidade ambiental devido à substituição do plástico por materiais que, tipicamente, apresentam impactos mais significativos para o Ambiente”, acrescenta.
Questionado sobre o impacto económico da medida nos operadores do setor, a direção da APIP confessa não ter “informação relevante relativamente a quebras. Na verdade, segundo a organização PlasticsEurope, prevê-se que a produção mundial de plástico quintuplique até 2050 (...). O plástico é um material extremamente versátil, útil e desempenha uma função de extrema importância na nossa sociedade. Proibir pura e simplesmente o uso do plástico representa, no nosso entender, um retrocesso ambiental, económico e civilizacional”. Com o objetivo de promover maior conhecimento sobre o tema, a Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos prepara-se para criar um sistema de rotulagem ecológica “para que o consumidor possa saber qual o verdadeiro impacto ambiental de cada material usado nos produtos colocados no mercado”.
De acordo com a associação, o problema dos resíduos de plástico deixados ao abandono no meio ambiente “é inequivocamente um problema comportamental”. “O setor reconhece que existe um problema com o fim dado ao material plástico após o seu uso, sendo que a forma mais eficaz de resolver não passa, definitivamente, pela proibição do plástico, mas pela mudança de comportamentos (...). O ambiente envolve-nos a todos e a responsabilidade também (...). Todos nós temos um papel determinante no que respeita à minimização da produção de resíduos, a qual deve assentar no princípio da prevenção e que pode ser colocado em prática através de um consumo cada vez mais racional e regrado, desincentivando o consumo excessivo de embalagens (...). Acreditamos que quanto mais esclarecido estiver o consumidor, melhor saberá lidar com a demagogia e desinformação que circula sobre o plástico e o seu verdadeiro impacto no Ambiente”, conclui.
Ana Isabel Trigo Morais diz também que “as metas de reciclagem definidas exigem que se encontrem soluções e que se atinjam melhores desempenhos e, neste sentido, são importantes todas as medidas que incentivem, de forma positiva e não penalizadora, comportamentos de separação de resíduos. Desta forma, consideramos favorável a implementação de políticas PAYT (pay-as-you-throw), em que o ‘utilizador’ tem um encargo referente aos resíduos indiferenciados que produz, mas a recolha seletiva de materiais recicláveis é-lhe fornecida gratuitamente”.
De resto, a CEO da SPV acrescenta que “no que diz respeito ao projeto-piloto do sistema de incentivo à deposição de garrafas, a ser implementado em grandes superfícies, consideramos que virá a ter um contributo tendencialmente positivo para o aumento da recuperação de embalagens de bebidas e, sobretudo, para o reforço dos hábitos de separação junto dos consumidores. No entanto, importa acautelar as formas de implementação efetiva desse sistema, para que se encontre uma solução eficaz e clara para todas as partes envolvidas e que, em termos operacionais, garanta que o fluxo de material recolhido permanecerá isolado das restantes fontes de resíduos de embalagens gerados no ponto de recolha, para otimizar o processo de reciclagem.”

EMBALAGENS “AMIGAS” DO AMBIENTE

Do lado do setor das embalagens, há já vários anos que existe a preocupação de desenvolver soluções totalmente recicláveis ou com reduzido impacto no Ambiente no fim do seu ciclo de vida e que, ao mesmo tempo, garantam a segurança do produto embalado.
A Tetra Pak anunciou, em julho, no mercado europeu, que está a desenvolver palhinhas em papel para embalagens de cartão. Contudo, há vários anos que investe em embalagens produzidas com materiais de origem vegetal. Em 2015, lançou a sua primeira embalagem totalmente renovável e de base biológica – a Tetra Rex Bio – e, em 2017, revelava que quatro em cada dez embalagens Tetra Pak vendidas já eram recicladas.
Ingrid Falcão, responsável de Sustentabilidade da Tetra Pak Ibéria, diz-nos que “ainda antes de terem surgido os primeiros sinais de que o panorama do consumo de plástico iria mudar a nível legislativo, os nossos departamentos de investigação e desenvolvimento acolheram a missão de criar soluções alternativas ao plástico”.
Além das recém-anunciadas palhinhas de papel, a Tetra Pak disponibiliza ao mercado soluções de embalagem que incluem plástico de origem vegetal, utilizando bioetanol resultante da cana-de-açúcar, de forma a substituir o plástico de origem fóssil.
A responsável de Sustentabilidade da Tetra Pak na região ibérica garante que “o processo de produção dos polímeros derivados da cana-de-açúcar é certificado pela BonSucro, uma organização internacional sem fins lucrativos que tem como objetivo a promoção, processamento e comercialização de cana-de-açúcar de forma responsável por todo o mundo”.
Ingrid Falcão explica, ainda, que na prática “o plástico alternativo que utilizamos é produzido com base no etanol resultante do ‘sumo’ da cana-de-açúcar esmagada, sendo este depois fermentado e destilado, não estando envolvido nenhum processo de queima. Após a desidratação do etanol e etileno, este é polimerizado em polietileno de origem vegetal, utilizado posteriormente para a produção das nossas tampas e camadas de proteção das nossas embalagens”.
Para reforçar as suas soluções “verdes”, a Tetra Pak tem previstos investimentos de cerca de 80 milhões de euros entre 2019 e 2021, nomeadamente em palhinhas de papel, tampas não removíveis e outras soluções que “permitem alcançar um melhor perfil ambiental das embalagens”.
Em infraestruturas de reciclagem, a empresa investiu, entre os anos de 2012 e 2018, cerca de 20 milhões de euros. Um investimento com retorno, já que, segundo Ingrid Falcão, foram vendidas mais de 60 mil milhões de embalagens Tetra Pak bio-based em todo o mundo.

A RESPONSABILIDADE DA INDÚSTRIA

Também do lado da produção há quem esteja a fazer investimentos significativos para disponibilizar no mercado produtos com menor impacto ambiental. A portuguesa Renova foi pioneira ao lançar, em 2018, a sua gama Paper Pak, uma linha de papel higiénico cuja embalagem é, também ela, de papel reciclável. Luís Saramago, diretor de Marketing da Renova, explica que a linha composta por quatro referências, todas elas com rolos de papel sem corantes, sem perfumes e sem decorações, pretende “contrariar a utilização do plástico e, principalmente, dar resposta às expectativas dos cidadãos que valorizam uma mudança para comportamentos mais responsáveis e amigos do ambiente”.
A aceitação por parte dos consumidores, revela, está a ser positiva, o que tem levado a gama “a ganhar espaço nos mercados onde a marca Renova está presente, em distribuidores que estão mais disponíveis para promover soluções sustentáveis.
O investimento neste lançamento traduz-se numa mais-valia para o Ambiente e na boa recetividade por parte dos consumidores. Estes dois indicadores dão-nos a confiança para continuar a traçar este caminho, pensando no futuro das próximas gerações”.
O diretor de Marketing da Renova diz ainda que apesar de a gama ter “um custo de produção mais elevado”, quando comparado “com a mais-valia para o Ambiente e para o futuro das próximas gerações”, tem um custo “residual”.
“Estamos, progressivamente, a traçar o nosso caminho e a lançar propostas que, de alguma forma, possam contribuir para escolhas mais sustentáveis. Esta é apenas a primeira etapa de uma estratégia que a Renova irá alargar a outras categorias de produtos, estando já disponíveis no mercado rolos de cozinha Renova Maxi Absortion embalados em papel.
Mais do que contabilizar toneladas de plástico eliminadas, queremos ajudar e contribuir para uma mudança de comportamentos”, acrescenta ainda.

DAR “NOVA VIDA” ÀS EMBALAGENS

A trilhar também este caminho, há já vários anos, está a Nespresso. Todas as cápsulas de café da marca são recicláveis e, em Portugal, podem ser entregues em mais de 200 pontos de recolha, além das 23 boutiques Nespresso.
Sandra Conceição, Operations Manager da Nespresso Portugal, conta que quando a marca lançou, em 2010, o projeto “Reciclar é Alimentar” o objetivo era já impulsionar hábitos de reciclagem junto dos consumidores e dar uma nova vida às cápsulas usadas.
“Este projeto tem como objetivo dar uma segunda vida à borra de café da cápsula usada, através da sua integração num composto agrícola que fertiliza campos de arroz, em Alcácer do Sal. O arroz resultante desta produção é posteriormente tratado e doado na íntegra ao Banco Alimentar. Normalmente, conseguimos doar 70 toneladas de arroz, sendo que, no ano passado, conseguimos a maior quantidade de sempre – 90 toneladas”, refere.
100% português, este projeto da Nespresso já permitiu entregar mais de 500 toneladas de arroz a esta instituição e em 2019 está prevista a entrega de 100 toneladas de arroz. Além desta iniciativa, a Nespresso tem apostado em garantir que o seu café é de origem 100% sustentável, que o alumínio é tratado de forma 100% sustentável e que a pegada de carbono é reduzida, com operações 100% eficientes.
Já este ano, com o objetivo de sensibilizar os consumidores para a importância da reciclagem e para o fim de vida dado aos produtos, a marca lançou uma campanha que mostra como as cápsulas Nespresso entregues para reciclar podem ganhar uma segunda vida, sendo transformadas em canetas, cadeiras, bicicletas, canivetes suíços, escadotes, caixilharia de janelas ou caixas de relógios.
“A reciclagem das cápsulas usadas é, para a Nespresso, um ponto muito importante, por isso são investidos anualmente grandes esforços para tornar a reciclagem mais fácil para todos os clientes Nespresso. Em todo o mundo, existem mais de 100 000 pontos de recolha, entre pick-up points e correios e iniciativas de recycling@home em 25 países”, conclui ainda Sandra Conceição.

MUDANÇAS NO PONTO DE VENDA

A responsabilidade da sustentabilidade e de garantir um fim de vida adequado para os produtos vendidos não se esgota na produção. Pressionada pelos consumidores e pela crescente regulamentação e consciência ambiental, a grande distribuição tem multiplicado esforços para ser mais sustentável e cumprir as metas impostas.
O Continente, que este ano lançou uma plataforma ambiental com conteúdosinformativos para sensibilizar e esclarecer os consumidores sobre o plástico e que integra já o pacto internacional “New Plastics Economy Global Commitment” liderado pela Fundação Ellen MacArthur, diz estar empenhado em “assumir o seu papel mobilizador em prol da utilização consciente deste material e de comportamentos como a reciclagem e reutilização”.
Pedro Lago, diretor de Projetos de Sustentabilidade e Economia Circular da Sonae MC, explica que este compromisso, subscrito por várias multinacionais, pretende “promover um modelo de economia circular para o plástico e a definição de metas comuns para lidar com os resíduos plásticos e com a poluição que provocam”. Empenhada nesta missão, a insígnia “está numa fase adiantada de levantamento de todas as embalagens para os produtos de marca própria, bem como para as embalagens e outros consumíveis utilizados nas suas lojas (…). Do trabalho feito até ao momento, que tem um balanço muito positivo, concluímos que a solução para a maioria das embalagens passa por garantir a sua reciclabilidade, de facto, considerando as condições e as infraestruturas existentes nas zonas geográficas em que o Continente opera”.
O responsável diz ainda que “como resultado das iniciativas já implementadas, o Continente prevê uma redução superior a 2 mil toneladas de plástico anuais, que resulta do conjunto de diversas iniciativas que visam a redução do impacto ecológico dos negócios das suas insígnias”.
Recentemente, o Continente anunciou também o lançamento de sacos de algodão e poliéster para frutas e legumes, uma forma de “promover a reutilização de embalagens e meios de transporte dos produtos”. De acordo com Pedro Lago, para já, esta alternativa está a ser testada em dez lojas-piloto, não estando ainda prevista a eliminação dos sacos convencionais.
Já sobre a medida do Governo para premiar os consumidores que devolvam as garrafas de plástico aos supermercados, o diretor de Projetos de Sustentabilidade e Economia Circular da Sonae MC diz que“é uma medida há muito usada nos países nórdicos” e “vemo-la como positiva e muito interessante, ainda que os operadores devam estar cientes de que envolve um esforço operacional bastante significativo.
Não obstante, o Continente mostrou, desde a primeira hora, total disponibilidade para colaborar com as entidades governamentais na criação deste serviço”.
“Acredito que estamos em condições de dar os primeiros passos neste processo que contribui para o aumento dos níveis de reciclagem do plástico e está, por isso, perfeitamente alinhado com os nossos objetivos de promoção de hábitos de consumo conscientes”, conclui.

INCENTIVAR UM CONSUMO CONSCIENTE

O Pingo Doce, cadeia do Grupo Jerónimo Martins, que, desde 2010, tem um projeto de ecodesign, diz ter conseguido, entre 2010 e 2018, reduzir, em Portugal, uma média de 2375 toneladas por ano de materiais de embalagem, sobretudo plástico, cartão e vidro, por via desta iniciativa. Fernando Ventura, diretor de Eficiência e Inovação Ambiental do Grupo Jerónimo Martins, revela que graças a este projeto, “já mais de 200 produtos foram abrangidos, o que permitiu poupar mais de 19 mil toneladas de materiais e evitar a emissão de 3000 toneladas de CO2 para a atmosfera, associada ao transporte dos produtos”.
Os esforços da insígnia são para reforçar, já que, segundo Fernando Ventura, “pretendemos desenvolver, pelo menos, 20 projetos de ecodesign por ano”. Fruto dessa estratégia são, por exemplo, os cotonetes com bastão de papel, que permitiram eliminar 25 toneladas de plásticos por ano, e as embalagens dos Sumos Nectaríssimos, que deixaram de ser de plástico para passarem a ser de cartão com certificação FSC.
“O Pingo Doce iniciou o processo de sensibilização dos consumidores para o uso racional do plástico ao deixar de disponibilizar sacos de plástico de forma gratuita em 2007, fornecendo ao mesmo tempo alternativas reutilizáveis como trolleys, sacos de ráfia ou sacos de papel. Com estas medidas, verificou-se uma diminuição significativa do consumo de sacos de plástico”, refere.
Em abril de 2018, o Pingo Doce lançou ainda o Projeto ECO, um sistema de preenchimento de garrafas que já está disponível em 120 lojas da rede. “Em pouco mais de um ano, o Projeto ECO permitiu evitar cerca de 8 toneladas de embalagens de plástico descartável”, acrescenta o diretor de Eficiência e Inovação Ambiental do Grupo Jerónimo Martins. Os próximos passos da insígnia passam pela identificação “de materiais alternativos para alguns plásticos de utilização única que satisfaçam as necessidades dos consumidores e que possam ser geridos como resíduos indiferenciados e, em alguns casos, como resíduos orgânicos” e por “melhorar a reciclabilidade das embalagens de plástico”.
Na Auchan, umas das empresas de distribuição pioneiras na venda de produtos alimentares avulso, desde 2008 que estão disponíveis alternativas aos tradicionais sacos de plástico. Rita Cruz, gestora de Sustentabilidade e Ambiente da Auchan, explica que “neste momento, temos 36 opções disponíveis, entre sacos de papel, sacos alcofa reutilizáveis, sacos com 80% de plástico reciclado, bolsa dobrável, trolleys, um saco reutilizável para garrafas de vinho e, recentemente, uma alternativa reutilizável, durável e mais prática aos tradicionais sacos de fruta”.
Nos mercados avulso da insígnia, onde estão disponíveis mais de 500 referências de produtos, os sacos em papel kraft estão disponíveis desde 2012. Rita Cruz revela que “estamos também a estudar a utilização de embalagens reutilizáveis para encher na loja. As vantagens ambientais são evidentes e valorizadas pelos clientes. Não há desperdício, uma vez que esta é uma solução que permite consumir apenas na quantidade que se necessita”.
“No mercado das frutas e verduras, temos um projeto em parceria com os fornecedores para exposição de hortofrutícolas que antes eram comercializados em cuvetes ou sacos de plástico, para venda a granel. Iniciámos em outubro de 2017 um teste na loja Jumbo de Sintra e multiplicámos para todas as lojas, com as alfaces, num total de 11 referências. O objetivo é efetuarmos a exposição desta categoria, com os artigos completamente a granel, potenciando a imagem de frescura e colorido do linear, sem o uso do saco de plástico. Esta medida impactou numa redução de 5 toneladas de plástico por ano”, diz ainda a responsável.
“De salientar que, por percebermos que a conversão de sacos de um material para outro não pode ser a única solução e, tendo em conta que ao considerar apenas sacos de papel estamos a usar um recurso escasso no planeta, consideramos que o caminho está na reutilização e na economia circular dos materiais”, conclui.
O Lidl, uma das primeiras cadeias de retalho alimentar presentes em Portugal a assinar o pacto ambiental com as Nações Unidas e com a Fundação Ellen MacArthur, assumiu em março de 2018 o compromisso de redução de consumo de plástico nas embalagens de marca própria em 20% até 2025 e de descontinuar a venda de plásticos descartáveis, evitando a entrada no sistema de 12,5 milhões de copos e de 5 milhões de pratos anualmente.
Outra das metas anunciadas pela insígnia passa pelo fim da venda de sacos de plástico para transporte de compras até ao final de 2019, uma medida que irá retirar do circuito cerca de 25 milhões de sacos de plástico por ano, e a disponibilização de sacos de poliéster 100% recicláveis para transporte de frutas e legumes.
Em declarações à DISTRIBUIÇÃO HOJE, o departamento de Comunicação Corporativa do Lidl Portugal revela ainda que “no caso dos têxteis, tem ocorrido uma substituição das embalagens de plástico por embalagens de cartão e, atualmente, mais de 50% das unidades de frutas e legumes do Lidl são vendidas a granel, cabendo ao consumidor a escolha para o acondicionamento destes produtos.
Também a nível da operação, podemos destacar a aquisição de paletes de plástico reciclável, que geraram a redução de resíduos e trouxeram benefícios para saúde e segurança dos colaboradores, e a separação do cartão, com destino à reciclagem, originando novas caixas para embalagem de alguns dos nossos produtos. De registar que, entre 2015 e 2018, houve o aumento de 4 pontos percentuais de resíduos valorizados (77% em 2018)”.
A insígnia lançou ainda, no verão passado, o projeto TransforMAR, uma iniciativa “para sensibilizar para a importância de um comportamento mais responsável em relação aos materiais plásticos e para os princípios da economia circular” que, na 1.ª edição, traduziu-se na recolha de 1,5 toneladas de material plástico nas praias nacionais, dando-lhes uma nova vida ao transformá-las em aparelhos de atividade física.
Já a Mercadona, que em 2016 anunciou a internacionalização para o mercado português, entrada concretizada este ano com a abertura das primeiras lojas no Norte, explica que o seu sistema de gestão ambiental “está centrado em reduzir impactos em três principais áreas: logística, consumo energético e gestão de resíduos”.
Plácido Albuquerque, responsável pela área de Ambiente da Mercadona em Portugal, revela que a cadeia espanhola tem “em marcha inúmeros projetos e iniciativas dirigidos principalmente à redução e ao aproveitamento dos resíduos gerados”.
Em 2018, a Mercadona “começou a eliminar os sacos de plástico de utilização única. Em 2019, as lojas da cadeia já só oferecem aos ‘Chefes’ (como chama os clientes) três alternativas para transportar as compras: sacos de papel, sacos de ráfia e sacos com 50-70% de plástico reciclado proveniente de embalagens recuperadas das lojas”, indica o responsável pela área de Ambiente da insígnia.
Esta última alternativa – sacos com 50‑70% de plástico reciclado –, diz ainda Plácido Albuquerque, “é fruto do compromisso conjunto de clientes, colaboradores e fornecedores, e do seu envolvimento no aproveitamento dos recursos, na redução, reutilização e reciclagem para aumentar a vida dos materiais e evitar que acabem num aterro. Para o seu fabrico, a Mercadona, aplicando os princípios da economia circular, reaproveita anualmente mais de 3000 toneladas de plástico provenientes das embalagens recuperadas nas lojas, que depois envia para os blocos logísticos por logística inversa e, a partir daí, para o gestor autorizado que o converte em granulado, para que o fabricante lhe dê uma segunda vida em forma de sacos para transportar as compras”.
“A Mercadona está a trabalhar para que, nos próximos anos, 100% das embalagens de marca própria sejam reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis”, conclui.

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Dezembro 2019

Texto Ana Rita Costa, Distribuição Hoje

“40% do plástico vem de embalagens e décadas de foco na reciclagem provaram que este sistema é altamente falível"

Ana Salcedo é Chief Manifestor do Zero Waste Lab e em entrevista à DISTRIBUIÇÃO HOJE conta porque acredita que “o ambiente está a tornar-se no novo aliado do marketing” e porque é que a luta contra a descartabilidade precisa de vozes mais audíveis e gestos mais visíveis.
Defende que a lógica de descartabilidade associada ao consumo é um problema que precisa de solução urgente e desafia o grande retalho a iniciar “uma revolução” para eliminar o descartável dos produtos de uso diário. A reciclagem foi o mote para uma conversa com Ana Salcedo, ativista e uma das fundadoras do Zero Waste Lab, que assume que em matéria de gestão de resíduos “não há respostas fáceis”.



O Zero Waste Lab nasceu do programa de Liderança Criativa da THNK Lisbon, como resposta a um desafio lançado pela Câmara Municipal de Lisboa para perceber como podemos reduzir os resíduos urbanos. Já têm resposta para este desafio?

Infelizmente, não há respostas fáceis nem rápidas, porque o tema dos resíduos, particularmente os plásticos, requer uma reavaliação profunda da cultura de consumo e de conveniência que é transversal a toda a sociedade e, como tal, tem de assentar num sentido de responsabilidade partilhada por todos. No entanto, porque também é uma questão altamente democrática, porque nos toca a todos, qualquer um de nós é capaz de fazer imensas mudanças na sua vida, enquanto consumidor, e influenciar tantos outros nos níveis de responsabilidade que ocupa, seja ao nível da família, do bairro, de uma empresa, de um governo.

A União Europeia prepara-se para banir a utilização de plásticos descartáveis em todos os Estados-membros já em 2021. Muitas marcas estão a antecipar a aplicação desta medida com a oferta de produtos em materiais alternativos, sobretudo, em papel. O papel é mesmo um material mais sustentável do que o plástico?

O papel não é obrigatoriamente uma solução melhor, porque em muitos casos vem recoberto de uma película de plástico que vai dificultar ou mesmo impossibilitar a sua reciclagem (pensando em copos de café, por exemplo). E uma corrida generalizada ao papel, mantendo a lógica de descarte, só vai deslocar o problema, porque o papel vem das árvores e a destruição de florestas já está em níveis incomportáveis. A solução não está na substituição. É aliás aí que reside um grande perigo. É preciso, sim, combater o descartável e usar esta proibição como uma oportunidade para realmente repensar como conseguir ir às compras, beber uma bebida ou vender um alimento sem gerar resíduos e sem descarte de embalagens, nessa lógica do lixo zero e da responsabilidade partilhada.

A DIABOLIZAÇÃO DO PLÁSTICO

O plástico tem sido apontado como o grande culpado da crise ambiental. É o único?

O plástico não é o monstro. Permitiu avanços importantes na ciência, na medicina, nos transportes, na tecnologia… É o mau uso e abuso que se faz dele, alimentando uma cultura de consumo e descarte fáceis, onde a responsabilidade é toda passada para o consumidor, que tem de reciclar, e uma indústria extrativa de petróleo feroz, que alimenta esta cultura de consumo e uma lógica de mercado de crescimento constante. 40% do plástico vem de embalagens e décadas de foco na reciclagem provaram que este sistema é altamente falível.
O problema maior está mesmo no sistema económico, que não inclui o valor da natureza na fórmula económica e, portanto, não contabiliza a consequência ambiental, nem a nível de extração de recursos, nem a nível da contaminação ao nível da cadeia e do pós-consumo. Se a consequência fosse devidamente contabilizada no preço das coisas, muita “tralha” certamente deixaria de valer a pena existir e o plástico certamente não seria tão barato, logo não haveria este abuso na sua utilização para vender mais e mais e mais.
Outra questão pertinente é a da responsabilidade estendida ao produtor, particularmente numa economia global, onde a capacidade de reciclagem competente não é globalizada e onde também é permitido exportar resíduos para países com menor capacidade de lidar com eles, como tem acontecido com a Ásia e África silenciosamente nas últimas décadas. A legislação tem de ser muito apertada a esses dois níveis.
Acima de tudo, vivemos num loop viciado de crescimento constante num planeta finito, onde as bases de sustentação de toda a vida no planeta — a água, o ar, o solo, as florestas —estão a ser sugadas e totalmente contaminadas por serem entendidas somente como recursos, sem merecerem o devido respeito pelo papel crucial que desempenham no ciclo fundamental de regeneração de toda a vida num só planeta! Esse respeito maior tem de ser determinante e a consequência tem de estar incluída na fórmula matriz da economia, centrada à volta da vida, da natureza e da abundância.

Faz sentido termos hortofrutícolas à venda no supermercado envoltos em plástico? A grande distribuição argumenta, por exemplo, que esta é uma forma de evitar a contaminação de produtos biológicos e de garantir a higiene dos produtos.

Não conheço testes de proximidade realizados nesse sentido, mas a mim parece-me uma negação simplista. Acredito que haja contaminação se os biológicos, por exemplo, estiverem na mesma zona que os alimentos produzidos com pesticidas e outros contaminantes. No entanto, não será mais um desafio de logística? Não será possível evitar a contaminação se houver uma reorganização de espaço em termos de armazém e disposição no supermercado, colocando ambos em pontos opostos, de forma a não precisarem de embalagem individual de plástico?

Os plásticos biodegradáveis podem ser uma solução?
< br /> Somente se forem realmente biodegradáveis em condições naturais em tempos mínimos, ou seja, compostáveis, num compostor caseiro, ou diluíveis em água, e para isso também não podem ter tintas contaminantes e afins. A maioria dos biodegradáveis que andam por aí só se degradam em condições de compostagem industrial e, por exemplo, em Portugal, julgo que só existe um compostor desses. Portanto, na mesma lógica do papel plastificado, é uma solução que desloca o problema para outras esferas: não existe tecnologia totalmente disponível para tratar, não existe linha de separação adequada para os distinguir dos plásticos normais, nem podem ser colocados com os orgânicos. Somente opções que possam ser colocadas juntamente com orgânicos num compostor caseiro, ou que sejam realmente solúveis em água sem contaminantes, deveriam poder chamar-se de biodegradáveis – degradáveis na natureza, no ecossistema vivo.

UMA QUESTÃO DE DESIGN E MARKETING

Recentemente, entrevistei uma especialista em ecodesign que me dizia que a reciclagem veio normalizar o desperdício. Concorda com esta ideia?

De certa forma sim, porque vem bem encaixada neste sistema de perpetuação do consumo.
Estamos sempre a ouvir: deita fora que é mais barato comprar um novo. Deitar fora descarta a responsabilidade, mas nem existe fora, nem a reciclagem resolveu os problemas. Para as marcas, também era mais fácil e barato pagar uma percentagem para que a reciclagem lidasse com o fim de vida dos seus produtos do que assumir uma responsabilidade maior que, obviamente, pesa mais no bolso. Hoje em dia, a maioria das peças não são feitas para durar, nem desenhadas para poderem ser reparadas. E esse é um problema gigante. Fala-se muito de ecodesign, mas vê-se pouco na prática, principalmente nessa vertente fundamental do design modular que permita a reparação e substituição de peças estragadas, com facilidade. Qualidade, reparabilidade e longevidade são fundamentais para a sustentabilidade e para diminuir o desperdício.
A reciclagem também pecou ao fortalecer-se, ao longo de décadas, da ideia do lixo como fim de vida e não valorizar o resíduo como recurso para continuidade de vida de um produto, a ser estimulada.
E ainda há buracos negros significativos na reciclagem — tudo o que é plástico e não são embalagens. O que fazer a brinquedos, a material de escritório, a mobiliário, a vestuário de poliéster?

A “guerra” ao plástico não veio também criar a oportunidade para que algumas empresas façam “greenwashing”? De que forma se pode educar os consumidores para distinguir práticas verdadeiramente sustentáveis de estratégias de marketing que apenas fazem com que uma empresa pareça mais “eco‑friendly” do que na realidade é?

Absolutamente. O ambiente está a tornar-se o novo aliado do marketing, em vez do contrário. Não é com mais 10% de plástico reciclado na embalagem que uma marca vai resolver o problema da embalagem. Nem é na lógica da compensação, tão presente no mundo corporativo: poluo, mas depois planto árvores e apoio projetos sociais.
Não nos devemos contentar com pouco e devemos procurar opções que realmente eliminem processos poluidores. As pessoas também têm imenso poder para pressionar as marcas a melhorar. Enviem e-mails! Não chegam comentários e shares no Facebook. Ativismo é fundamental.

O que é que ainda falta fazer para diminuir a produção de resíduos? Há vários estudos que mostram que a grande maioria do desperdício começa na casa dos consumidores.

Do lado do consumo, é necessário reforçar que não existe deitar fora e que cada vez que compramos um produto estamos a votar com a nossa carteira (eu concordo com determinada marca, então é fundamental um voto consciente) e que, em vez de apontarmos constantemente a culpa aos outros, devemos olhar para o que podemos fazer do nosso lado. Cada pessoa é importante e, no somatório de 8 mil milhões de pessoas no planeta, cada decisão pesa. E aqui entram os R: Repensar, Recusar, Reduzir, Reutilizar, Reparar e, só no final, Reciclar.
Há uma componente muito comportamental que requer uma mudança de atitude geral, de responsabilidade partilhada, em que todos temos um papel importante a cumprir e temos de fazer um esforço maior todos os dias, e aí sim afeta os consumidores. Cada vez mais cresce o MovimentoLixo Zero e aparecem mais lojas a granel, produtos de maior qualidade e sem embalagens e um push forte para consumo menos impulsivo e mais consciente. Mas ainda é marginal.
Precisamos de uma revolução ao nível do grande retalho e, para isso, inovação concertada e corajosa ao longo de toda a cadeia para levar o granel ao grande retalho, e conseguir eliminar o descartável dos produtos de uso diário, dos detergentes à alimentação, podendo inclusive representar uma diminuição de custos e uma revolução ao nível da criatividade na comunicação. Plástico descartável está em todas as prateleiras de supermercado e lojas de produtos em geral e, enquanto não existirem opções de compra que os evitem na base, não podemos apontar o dedo só aos consumidores.
Outra questão urgente é a compostagem acessível a todos, sendo que os orgânicos representam cerca de 40% do desperdício, que tem o potencial de virar solo fértil, tão fundamental para reavivar os solos destruídos pelo abuso de fertilizantes e pesticidas tóxicos. Está a caminho, mas demasiado lento no nosso país. Na natureza, a nossa maior escola, não existe desperdício, tudo o que não serve a um serve de alimento ao outro. É essa lógica que tem de nos guiar como objetivo e é esse o sentido por trás do Movimento Lixo Zero.

É possível ser ambientalmente sustentável e, ao mesmo tempo, economicamente sustentável?

Provavelmente [vai implicar perda de lucratividade], se numa ótica da competição e de cada empresa olhar para si mesma. Mas acredito que se as empresas colaborarem não só sectorialmente, mas também ao longo de toda a cadeia, poderão encontrar soluções económicas e ecológicas. Têm é de ser realmente mudanças estruturais. Vemos muitas empresas a avaliar e medir a recetividade à mudança ao lançarem mais um produto novo com características mais eco-friendly num mercado saturado de opções. E quando as vendas desse produto não são realmente significativas, dizem que o consumidor não está interessado. Mas esta é uma versão muito simplista da questão, que é muito mais profunda do que um só produto melhor que o outro. Por outro lado, há novos modelos de negócio que comprovam que é possível ser economicamente sustentável e estar do lado da solução. É preciso é coragem, experimentação e visão de longo prazo.

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